O nosso Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, é o quarto Código que rege o trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional. Todavia, sua vigência não foi imediata, eis que alterou todo um sistema vigente desde 1966, com a Lei 5.108, o Código Nacional de Trânsito, elencando novas responsabilidades, como os municípios, que deixaram de somente sinalizar as vias públicas, mas foram integrados ao Sistema Nacional de Trânsito, passando a ter também atribuições na educação para o trânsito e na fiscalização de trânsito, com infrações de circulação, estacionamento e parada, além de excesso de peso, dimensões e lotação. Conforme determina o seu art. 340, a vigência ocorreu em 120 (cento e vinte) dias após a sua publicação, portanto, dia 22 de janeiro de 1998.
Também foram acrescidos novos temas, como os Crimes de Trânsito, que são objeto do presente estudo, o qual visa esclarecer questões importantes para a compreensão e aplicabilidade da Lei 13.546, de 19 de dezembro de 2017, a trigésima terceira que alterou o CTB e que alterou artigos do Cap. XIX, tanto na seção I – das disposições gerais, como na seção II – dos crimes em espécie. As alterações promovidas pena novel lei terão vigência em 120 (cento e vinte) dias após a publicação, portanto, em 19 de abril de 2018.
A lei ora em estudo, teve sua origem no Projeto de Lei nº 5.568/13, que teve sua redação original alterada com a tramitação nas casas legislativas. Ao ser encaminhado para sanção presidencial, originando a Lei 13.546/17, teve vetado a inclusão do parágrafo 3º ao art. 291 do CTB, mantendo-se as demais alterações proposta no Projeto de Lei.
Com o veto, justificado por incongruências jurídicas, não houve a inclusão da parte essencial do Projeto, que era a possibilidade de não aplicação da substituição de pena privativa de liberdade, por restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal, quando a pena aplicada em relação aos crimes de trânsito previstos no § 3º do art. 302, no § 2º do art. 303 e nos §§ 1º e 2º do art. 308, fosse superior a quatro anos, desde que atendidas as demais condições previstas nos incisos II e II do caput do mencionado artigo do Código Penal.
Portanto, com o veto presidencial, aplica-se integralmente o art. 44 do Código Penal, em relação aos crimes acima descritos e que foram objetos de alterações em suas redações, inobstante a pena fixada venha a ser superior a quatro anos, eis que são crimes culposos em sua essência, dos arts. 302 e 303 e embora o art. 308 seja doloso em seu caput, os parágrafos traduzem a culpa, tanto no caso de lesões de natureza grave como no resultado morte.
De plano já se demonstra que várias informações postadas e divulgadas na internet são descabidas, pois informavam que houve alterações nas questões envolvendo a condução de veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa, tendo também alterado a infração de trânsito do art. 165 e o crime de trânsito previsto no art. 306.
O que, na verdade, a Lei 13.546/17 alterou, foram as redações dos arts. 291, 302, 303 e 308 do Código de Trânsito Brasileiro e que a principal modificação que constava no Projeto de Lei, que possibilitaria a efetiva aplicação de pena privativa de liberdade a crimes de trânsito, com a inclusão de novos parágrafos e consequente previsão de penas maiores em relação aos crimes de trânsito previstos nos arts. 302 e 303 foi vetada, mantendo-se a possibilidade de substituição e aplicação de pena restritiva de direitos, eis que são crimes culposos, independentemente da pena privativa de liberdade fixada pelo juiz, quando o réu atender aos quesitos do art. 44 do Código Penal.
Passemos então para o que realmente foi alterado no Código de Trânsito Brasileiro, em seu Cap. XIX, que trata dos Crimes de Trânsito.
Em sua seção I – Disposições Gerais, houve somente o acréscimo do parágrafo 4º ao art. 291, eis que, conforme já amplamente comentado, foi vetada a inclusão do parágrafo 3º a este mesmo artigo, que tem sua redação integral, com as alterações anteriores e a objeto do presente estudo, descrita da forma a seguir:
“Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.
I – sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência; (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
II – participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente; (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
III – transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h (cinqüenta quilômetros por hora). (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
Portanto, nesta primeira seção, houve somente o acréscimo do § 4o ao art. 291, o que seria plenamente dispensável, eis que faz parte da práxis jurídica a aplicabilidade do art. 59 do Código Penal e o próprio caput deste art. 291 assim determina.
Já em sua seção II – Dos crimes em espécie, houve maiores alterações, nos arts. 302, 303 e 308, cujos teores, após esta nova alteração e já com as demais sofridas, restam da forma a seguir transcrita:
“Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;
II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;
III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;
IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.
V – estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. (Incluído pela Lei nº 11.275, de 2006 e revogado pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014 e revogado pela Lei nº 13.281, de 2016)
Penas – reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”.
Conforme se verifica na análise do art. 302, pela inovação deste Código, em incluir um capítulo tratando dos crimes de trânsito, o legislador está também em um processo de aprendizagem para melhorar a redação, pois já o alterou por cinco vezes, de 2006 a 2017.
A última, com a inclusão deste § 3º pela lei ora em estudo, objetiva punir com maior severidade aquele que ao praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor, esteja sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. Neste caso, a pena privativa de liberdade não será a de detenção de dois a quatro anos, mas sim, reclusão de cinco a oito anos. As demais penas principais, que são aplicadas de forma cumulativa, não foram alteradas em relação ao crime tipificado no caput do artigo.
“Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:
Penas – detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior. (Redação alterada pela Lei nº 12.971, de 2014)
Este artigo foi objeto de alteração legislativa por duas vezes, em 2014 e pela lei em estudo, em 2017. Com a inclusão deste parágrafo 2º, assim como em relação ao crime tipificado no art. 302, se está a indicar para a sociedade e especialmente aos condutores de veículos automotores, que se deve ter muita responsabilidade, pois, se vier a ocorrer a prática de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, a pena privativa de liberdade é de seis meses a dois anos; contudo, se o condutor do veículo estiver com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena privativa de liberdade é de reclusão de dois a cinco anos.
Portanto, a inovação comina uma pena muito mais gravosa em seu parágrafo 2º, quando comparada a do caput do art. 303, exatamente pelo perigo que é a condução de veículo automotor nas situações elencadas e mantém a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, como pena principal, da mesma forma prevista no caput.
Por fim, vejamos o art. 308, que teve a redação do próprio caput já alterada, conforme se verifica a seguir:
Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada:
Penas – detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
“Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada: (Redação dada pela Lei nº 12.971, de 2014 e alterada pela Lei nº 13.546, de 2017)
Penas – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. (Redação dada pela Lei nº 12.971, de 2014)
Este artigo também foi objeto de duas alterações legislativas, em 2014 e 2017. O próprio caput foi alterado em 2014, assim como a pena original que era de seis meses a dois anos, foi majorada para seis meses a três anos, o retirando da competência do Juizado Especial Criminal.
Agora, a Lei 13.546/17, produz nova alteração e somente no caput do art. 308, para incluir como conduta criminosa e não apenas infração administrativa, também a prática de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor. Os parágrafos não sofreram alteração pela novel lei, assim como não foi alterada a pena.
Desta forma, ao concluir o estudo, como amplamente exposto e com a apresentação integral do teor atualizado dos quatro artigos constantes do Cap. XIX do CTB, objetos das alterações promovidas pela Lei nº 13.546/17, verificamos que houve sim um aumento considerável nas penas dos crimes tipificados nos arts. 302 e 303 do CTB, quando o condutor os praticar e estiver sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.
Neste sentido, é meritória a Lei, pois há uma grande dificuldade em se levar a Júri Popular e condenar a condutor que venha a matar alguém no trânsito, mesmo que comprovadamente sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. Por outro lado, há que se observar que dificulta a tentativa de caracterização de crime doloso, previsto no art. 121 do Código Penal, quando o condutor estiver nas condições descritas acima, pois há a presunção de que tenha sido culposo, com penas maiores que o caput do art. 302 do Código Penal, com a inclusão do parágrafo 3º.
Em relação a alteração promovida no caput do art. 308, apenas incluiu conduta reprovável, que somente era considerada como infração de trânsito de natureza gravíssima, com o valor da penalidade multiplicada por dez e com suspensão do direito de dirigir. Claro, todas as condutas descritas no caput, serão além de infração de trânsito, crime de trânsito, se gerar situação de risco a incolumidade pública ou privada. Ao contrário, restará a tipificação administrativa.
E a alteração promovida no art. 291, com a inclusão do parágrafo 4º, se fazia desnecessária. A grande alteração e benefício que traria a lei, seria a inclusão do parágrafo 3º ao art. 291, o qual foi vetado pela presidência da república, por ter entendido haver incongruência jurídica.
Ordeli Savedra Gomes – Tenente Coronel RR da Brigada Militar
Escritor/Palestrante/Professor de Legislação de Trânsito
Bacharel em Direito/Especialista em Gestão e Legislação de Trânsito
Especialista em Políticas e Gestão de Segurança Pública
Sócio na Empresa Trânsito Brasil de A a Z
Referências bibliográficas:
Gomes, Ordeli Savedra. Código de trânsito brasileiro comentado e legislação complementar. 13ª Ed., Curitiba: Juruá, 2018